Lua Vermelha – 3ªtemporada - Episódio 90 - Parte 1 “A Eternidade” FINAL
Continuação…
Francisca desmaia.
Foi como se de repente, tudo se desvanecesse em serenidade, e uma ofuscante luz atingisse os seus pensamentos, fazendo-os pairar e quase desaparecer. O chão pareceu fugir-lhe dos pés, mas ao contrário do que esperava, não sentiu a queda. Uma figura implacável, doce para si, pareceu segurá-la. Francisca está nos braços de alguém.
Não o vê, mas sente-o.
Na realidade, foi Vânia que a amparou primeiro, antes que um enchente de gente preocupada o fizesse também.
Momentos seguem-se, e a vampira recomeça a ouvir sons confusos, vozes em turbilhão. Quando decide forçar os olhos a abrir, vê apenas manchas de cor, e apenas segundos depois vê rostos que tão bem conhece.
Pedro, o seu filho mais novo, que a escolheu. Vânia, de cuja verdadeira mãe nem se fala. Afonso, finalmente vê Afonso com olhos de ver, depois Beatriz ao lado de Henrique, os seus três primeiros filhos, que não a escolheram, mas aceitaram-na. Do outro lado estão Isabel, uma menina dócil e sonhadora quando a conheceu e tão poderosa agora, e Luna, o mais próximo de neta que alguma vez teve.
Eles pensam que Francisca não está lúcida, mas está. Ela apenas reserva uns segundos e memoriza cada um dos rostos à sua frente para poder guardá-los e levá-los consigo para a verdadeira eternidade. Ignora as perguntas, e dá-se ao luxo de ficar ali, num êxtase imperceptível. Se tivesse forças, sorriria. Se pudesse, ergueria a mão para tocar em cada um deles e dizer que nunca esteve tão bem.
- Ela foi mordida, nós temos que sair daqui e ajudá-la! - Vânia parece engolir as palavras enquanto tenta dizê-las.
Sim, está. Mas a ferida não dói. Outras doeram mais e não foram visíveis. Mentalmente, descreve o resumo da sua vida.
Nem o que Beatriz diz seguidamente, ou a força bruta de quem a ergue na tentativa de a salvar, a demove da ideia de sentir que já viveu e foi feliz.
- Achas que consegues fazer outra vez, aquilo que me fizeste? – atreve-se a ex-lider a perguntar a Henrique, sem olhar a meios, dirigindo-se a ele, agarrando-lhe o braço com desespero, mesmo sabendo que ele ainda evita o toque.
Também sem olhar a meios ele responde que vale a pena tentar, e afasta-se, com medo de si próprio. Vai de encontro a Augustus.
- Conseguiram o que procuravam? – questiona, com pressa de se corrigir.
- Já falamos! – diz o Naturale. – Tu consegues, és forte. – tranquiliza-o.
O grupo encaminha-se imediatamente em direcção a Sintra.
…
No regresso a Sintra, Francisca deixa-se levar, seguindo num carro, junto à médica Cristina, e a Vasco, que conduz velozmente em direcção a Sintra, acelerando para chegar o mais longe possível, no menor espaço de tempo.
Todos os restantes tentam acompanhar, numa corrida contra o tempo.
Luna segue bastante pensativa relativamente a Francisca, adivinhando o que está para acontecer, mas ignorando-o, permitindo-se a ter alguma esperança e a estar enganada.
Tentando aproximar-se, Augustus percebe imediatamente que é cedo para se mostrar compreensivo e amigo, ou para lhe ensinar o que quer que seja sobre ser o que é.
Mais Antigo, acompanha o rasto do automóvel sem muito esforço, indo à frente de todos os outros.
Vânia tenta acompanhar o criador, de quem claramente sentia saudade, mas ele evita-a, tal como a todos, incluindo Beatriz. A sua natureza permanece a mesma, e a seguir ao estado de Francisca, essa é a sua grande preocupação.
Afonso e Isabel avançam sozinhos, próximos, com tanto para dizer, e sem tempo para isso, limitam-se a fazer o que sabem melhor, ser um par.
Muitas coisas poderiam ter acontecido no regresso, se tudo já tivesse de facto terminado. Mas o regresso está a ser pior que o inicio daquele mesmo dia.
Chegam entretanto.
…
Aos soluços, Luna é a primeira a sair.
- Porquê que isto nos está a acontecer? – revoltada, entre dentes, ao mesmo tempo que abandona sala.
Francisca está deitada no grande sofá da sala da casa onde reconstruiu a família Azevedo, em Sintra, depois de terem estado em Londres, há anos atrás.
Mais pálida do que é habitual, mais serena do que seria de esperar, e incrivelmente bem conformada com a decisão que tomou e que acabou de anunciar, mesmo contra a vontade e forças de todos.
- Não, não, não… - Pedro atira-se ao chão junto do sofá, agarrando-se à mão quase inerte da vampira. – Tu não podes querer uma coisa dessas, não podes… - e chora, escondendo o rosto.
Ela olha-o com doçura e uma sabedoria superior.
- Francisca, nós podemos resolver isto. – intervém Vânia. – Tu sabes que sim! – insiste, com um nó na garganta. – Deixa-nos tentar! – implora.
E a vampira espera simplesmente por mais protestos.
Um deles, sem direito a palavras de revolta. Vasco sai da sala, visivelmente descontrolado, recusando-se a assistir a tudo aquilo. Francisca entristece por ele.
Isabel dá a mão a Afonso, que está prestes a desmoronar, e encosta a cabeça no seu ombro.
Beatriz dá um passo em frente, senta-se no sofá, olhando Francisca nos olhos, lutando para ser forte e racional como todos esperam que seja.
- Porquê? – questiona. – É só isso que quero saber… - aparentemente calma, mas a desabar por dentro.
Henrique observa, afastado, revoltado, sem saber o que dizer ou fazer, mas desejando poder obrigar aquela vampira teimosa a mudar de ideias.
- Porque… - começa Francisca, com uma voz frágil, mas sincera. - … eu sei que é o momento. – no seu olhar, está tudo claro. - Eu já fui muito feliz, já vivi tudo o que queria viver, sonhei, viajei, lutei por tudo aquilo em que acreditava, construi uma família, tive muitos filhos… - pausa, e sorri. – Dá para acreditar? – comenta, em ironia. – Amei e fui amada. E eu sei que chegou a minha hora. – admite. – E não haverá melhor forma de partir, do que após lutar para vos ver todos juntos de novo.
Como raramente, uma lágrima de sangue desliza no rosto da ex-líder.
Afonso aproxima-se da “irmã”, colocando-lhe uma mão no ombro, e a outra na de Francisca.
Permanecendo afastada, Isabel sabe que aquele momento é só deles. Dos Azevedo.
Henrique arrisca a proximidade, finalmente.
Formam um círculo, de mãos dadas, todos rodeando Francisca.
Francisca sorri e fecha os olhos.
- No final, tudo o que eu quero é ver-vos juntos e felizes…
Até Mais Antigo deixa transparecer uma réstia de emoção, que parece surgir dos confins da sua alma milenar.
Como se fosse mesmo o destino, o vírus actua mais depressa do que o normal. Francisca deixou-se consumir por ele. E a sua figura esbelta, ternurenta, transforma-se em cinza prata, de um brilho raro.
A família perde o seu principal membro, mas permaneceram juntos até ao fim.
…
- Eles vão superar isto… - uma voz com sotaque sussurra junto de Francisca. – E ainda vão viver muitos e bons anos.
- Máximo!
Francisca olha em seu redor. Consegue vê-los todos juntos, debruçados sobre o seu corpo inerte. Ao seu lado, está Máximo. E tudo parece normal.
- Vamos? – questiona ele. – Estive só à tua espera.
Francisca estende a mão sobre a que Máximo ergueu em sua direcção. E confia.
- Onde?
- Aqui, “onde” e “quando” não existem. Voltámos a ser parte de um todo, e em breve teremos um novo propósito.
…
Observando-os, emocionada, Isabel sente um arrepio e pensa de imediato em ir procurar a filha.
No jardim, junto à piscina, Luna chora compulsivamente. Não basta apenas a sua tristeza, e ainda tem de ser sensível à de todos os outros. Sente-se louca. E quase preferia ser louca, desde que fosse uma humana normal.
Permitiu que Augustus se sentasse a seu lado, mas ignora-o.
Ele está há algum tempo ali, procurando o momento certo para intervir.
Isabel encontra-os e num impulso decide ficar a observá-los à distância, por enquanto.
- Sabes? – ele decide finalmente arriscar. – Nada neste mundo existe para ser eterno… - afirma, tomando-lhe a atenção. – Principalmente as coisas boas.
- O quê que isso significa? – replica a ruiva, com os olhos vermelhos e inchados de tristeza.
- Que nem mesmo o amor dos teus pais foi feito para a eternidade. – atira, arrependendo-se logo a seguir, sempre foi muito frontal e por vezes culpa-se por isso.
Quase ofendida, Luna encara-o finalmente.
Isabel também pensa em intervir com indignação, mas espera para ouvir o resto.
- Não está a ajudar! – garante Luna, despedaçada.
- Desculpa. – há muito que o homem não falava com alguém fora do seu círculo de conhecidos. – Os teus pais vão amar-se sempre, vão lutar juntos, rir juntos, até ao fim. Mas haverá sempre um fim. Para tudo, minha querida. Só não sabemos quando ele chega, mas ele existe e há-de vir.
Luna mantém-se calada, continua a desprezar aquelas tentativas.
- A vida é uma dádiva e o destino dos bons está nas suas próprias mãos. – explica- da melhor forma que consegue. - A vossa amiga escolheu como partir, e garanto que partiu feliz. – sorri, ele pode mesmo garantir, não está apenas a fazê-lo para agradar.
Luna percebe isso, mas mantém-se defensiva.
- Ela era mais que uma amiga. – afirma.
- Eu sei. E é por isso mesmo que espero que se recuperem disto, que a percebam, que a respeitem sempre, e que façam aquilo que ela mais deseja… - pausa, para perceber se está ou não a ser ouvido. - Que sejam sempre uma família.
Luna entristece um pouco mais, mantendo-se melancólica.
A sua mãe, mesmo à distância, percebe que aquela entidade vai ser muito importante na vida da sua menina. Isabel tem um vislumbre de alegria e alivio nos olhos, ao perceber que Luna em breve irá começar a aprender coisas novas sobre si mesma e o que veio fazer a este mundo. A resposta está naquele homem e em todos os outros Naturales. Decide então voltar para junto dos “irmãos”.
- A Francisca era feita de puro amor. Consegui sentir isso no primeiro segundo em que me cruzei com ela. – continua Augustus, para Luna. – Foi capaz de amar incondicionalmente sem querer nada em troca. Amava e pronto. – pausa. – A Natureza desafiou-a, testou-a… «Ela era toda amor e bondade em humana, mas será que ela permaneceria a mesma noutra condição?» Sim, ela superou o desafio. E hoje a Natureza deu-lhe a escolher entre continuar apenas por vós e viver num estado quase inanimado de conformação, ou seguir em frente… - enquanto fala, ele parece olhar o horizonte em busca de imagens da vida de Francisca.
Luna ouve, embora se esforce por fingir não dar importância. Mas ouve atentamente, e pensa sobre tudo. Até que ganhar coragem para comentar, enquanto limpa as lágrimas que teimam em escorregar dos olhos até ao pescoço.
- Você fala da Natureza como se estivesse a referir-se a uma espécie de Deus… - e mantêm-se inexpressiva.
- Tens razão! – surpreende-a ao responder. – E talvez me refira mesmo. – e lança-lhe um sorriso desafiador. - Eu não sou ninguém para dizer o que é verdade e o que não é, o que existe de facto e o que não existe, sou apenas mais um com uma opinião. – esclarece, honesto. – Mas eu gosto de pensar neste planeta como um cérebro gigante, que através da sua energia excedente criou todo este mundo que conhecemos. Não há nada mais maravilhoso e poderoso do que isto. Ele dá-nos tudo o que precisamos, e tira-nos o que já não precisamos. Tudo nele existe com um propósito, e esse propósito tem de ser cumprido. – suspira. – E o Universo? Esse pode ser o cérebro mãe. E as estrelas? Imagina quantas vidas tão diferentes da nossa há para além daquilo que sentimos? – sorri. – Desculpa, já estou a divagar…
Mantendo-se inexpressiva, Luna já não tem medo de mostrar que o ouve atentamente.
- Não faz mal…
Augustus retorna à verdadeira questão.
- A Francisca está bem… - repete. - Acredita em mim. – insiste.
- Eu acredito. – e é sincera nas suas palavras, e ao dizê-las, sente-se mais liberta de todo o peso que carregava.
- A eternidade só é uma ilusão se vires o fim como uma coisa má e verdadeiramente finita. – termina o homem, mesmo sabendo que Luna já se refugiou novamente nos seus próprios pensamentos.
Dizem que as pessoas só morrem, quando nos esquecemos delas.
Outros, como este Augustus, pregam sabiamente a ideia de que há sempre um fim, mas também uma continuação para lá desse fim, ele chama-lhe um “novo propósito”. «Partindo daí, talvez o fim não seja uma coisa má», pensa Luna.
«Mas enquanto o fim continuar a roubar-nos pessoas que amamos sem justificação, porque haveremos de respeitá-lo?», contradiz de seguida o seu próprio pensamento, permitindo a persistência do dilema.
A ruiva decide então voltar à primeira constatação, enquanto não arranja verdadeiras respostas sobre esse tão afamado “fim”, e cheia de coragem, sente a necessidade de acreditar na conclusão que escolheu.
«A Francisca não será esquecida.»
Continua…
ESTE EPISÓDIO CONTINUA AINDA ESTA SEMANA
PS: Sei que este episódio pode causar discórdia, mas tenho esperanças de que compreendam a verdadeira intenção e o verdadeiro significado deste final em particular. Aceito comentários sobre o assunto, com o pedido de que não sejam ofensivos. RESPEITEM. Porque estou orgulhosa do que escrevi e do que ainda vou publicar futuramente nesta semana.
Um grande beijo!